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As ONGs Como Novos Actores Políticos?
A Conferência da Organização Mundial de Comércio recentemente celebrada em Seattle evidenciou o relevo do papel das Organizações não Governamentais como agentes da decisão política. Quando os grupos humanos só podiam unicamente comunicar por telefone, fax ou correio, tornava-se economicamente proibitivo compartilhar informação e manter comunicações com pessoas de diferentes partes do mundo. A internet possibilitou o surgimento de um activismo on line que, mudou radicalmente o conceito clássico de participação, e multiplicou tanto o número de ONGs como a sua influência. (1)
A propósito destas considerações pensamos que a multiplicação das ONGs por todo o mundo, especialmente nos países mais desenvolvidos e, em particular, a sua nova opção organizativa merece nesta rubrica algumas linhas de reflexão.
O mundo das ONGs é complexo e abarca muitas frentes, pairando sobre elas as mais diversas perspectivas, não deixando mesmo de estarem sujeitas a manifestações de alguma desconfiança. Uma das frequentes acusações que lhes é feita é de se constituirem em poder não democrático nem fiscalizado, uma vez que a sua principal força lhe advém, de um maior ou menor grau, do apoio da opinião pública democrática.
De um modelo de organização inicial do final dos anos 1960 assente sobre a intervenção, isto é, que capta recursos com os quais procura, às diversas escalas, enfrentar os problemas nos campos da pobreza e do desenvolvimento, viraram-se as mesmas, na década de 1980, para um outro tipo de modelo que implica a participação activa dos afectados numa perspectiva que tenha em conta as condicionantes estruturais, ecológicas e culturais, acabando actualmente por se posicionarem como organizações de pressão política. E é aqui que esta opção, sem deixar de ser legítima, começa a ser mais delicada e discutível. Senão vejamos.
Para que as ONGs sejam organizações de pressão política pede-se, para começar, que as mesmas se organizem com sentido de nítida independência dos poderes políticos e económicos. Em segundo lugar, à que obter um forte apoio da sociedade civil, (de onde lhes vem o apoio e a quem devem dar a conhecer as suas actividades) para que a opinião pública se aproprie das suas causas e as transforme, por sua vez, em pressões políticas conscientes e especialmente coerentes. Em terceiro lugar, à que constituir-se em organizações não tanto de recursos mas de conhecimentos ; por exemplo, organizações capazes de analisar as realidades do subdesenvolvimento, suas causas e vias de solução, dando-as a conhecer e desta forma forçar as instâncias políticas e económicas a tornarem pertinentes as medidas e adequadas as resoluções para os problemas.
As críticas a esta dimensão política das ONGs tem vindo de diferentes posições do espectro ideológico, uns criticando-a por excesso e outros, por defeito. Os primeiros questionam, como já vimos anteriormente, a legitimidade democrática destas organizações que, dizem, não representar nada. Parecem ser os mesmos que não têm nenhum reparo a fazer e em aceitar a influência de algumas grandes empresas transnacionais na definição global das políticas económicas e sociais. Do outro lado estão aqueles que afirmam que as ONGs servem como desculpa para desmantelar os compromissos dos Estados com a solidariedade e o bem estar da cidadania e que, segundo os mesmos, são utilizadas pelo neoliberalismo para conter o perigo de explosões onde os problemas sociais se pautuam por situações extremamente injustas. Criticam, portanto, a despolitização e a desideologização destas organizações, na medida em que centram o seu trabalho na fixação de pequenos projectos assistenciais e não na mudança das condições estruturalmente injustas, estando no fundo ao serviço de um projecto político concreto: o neoliberalismo.
Enfim, face ao panorama contraditório para a função das ONGs na actualidade, coloca-se uma questão. Pelas problemáticas que abordam, pelo trabalho de pressão que exercem, pelo caudal de participação que criam e de certa forma pelo seu contributo para a educação e o aprofundamento da cidadania, será possível ou desejável a sua apoliticidade ?
A resposta negativa à questão parece ser a tendência actual. A ser assim, é um facto que a sua politização não deve dispensar a medição, sempre de uma forma eficaz, das transformações que se propõem fazer da realidade. Os movimentos sociais actuais centrados nas ONGs podem pois ser uma boa coisa se as mesmas apostarem cada vez mais na construção de novas políticas que passam por valores universalmente aceites e que provoquem socialmente o sistema estabelecido. Parte do que aconteceu em Seattle foi pois um repto ao actual posicionamento das novas organizações não governamentais que, de uma forma ou de outra, podem estar, paralelamente ao desenvolvimento da crise do Estado do bem estar e face ao marasmo da situação política e partidária vigente, a contribuir para uma transformação das sensibilidades sociais com eventual e desejável repercursão na mudança de actuação das opiniões públicas colectivas.
António Mendes LopesInstituto Politécnico de Setúbalamlopes@ese.ips.pt
(1) Etxeberria, Xabier (2000) "Debates jurídicos", Revista UD, Ano 17, nº 67. julio-septiembre 2000, p. 21.