quarta-feira, setembro 21, 2005

Estado Novo - A memória dos mais velhos (Portugal e Colónias)

Na Primavera passada completaram-se os 31 anos do 25 de Abril. Encontrámos uma maneira mais fácil, divertida e interessante de conhecer a história recente do nosso país - perguntámos aos nossos pais, avós e outras pessoas conhecidas, como se vivia em Portugal (e nas colónias) antes de Abril de 1974. E o resultado é este:

«Antes do 24 de Setembro de 1974, a República da Guiné-Bissau não existia. Antes da chegada dos portugueses (antes dos Descobrimentos), a Guiné era "administrada" pelas pessoas mais idosas, com maior conhecimento e experiência de vida. Essas pessoas eram designadas por "regulas". Os regulas eram as pessoas mais respeitadas de cada tribo.
Quando os portugueses chegaram à Guiné, esta passou a denominar-se Guiné Portuguesa, ou seja, era apenas mais uma das inúmeras províncias de Portugal. Nessa altura, os portugueses dominavam a Guiné por completo, a liberdade das pessoas era bastante limitada (situação que se agudizou substancialmente depois de 1928) - não podiam reunir-se, havia escolas para portugueses e escolas para guineenses (mas apenas para os guineenses que tinham possibilidade de colocar os seus filhos na escola e que eram uma minoria).
O povo guineense era constantemente humilhado, não tinha voz. Quem atentasse contra estas regras poderia ser preso e torturado. Nessa altura, os portugueses podiam tudo e tiveram tudo. Tiveram as melhores escolas, os melhores empregos e muitas das vezes os guineenses trabalhavam e não recebiam e não podiam sequer reclamar por isso.
Em 1956, Amílcar Cabral, fundou o PAIGC, esse partido era clandestino, pois não eram permitidos grupos políticos que atentassem contra o regime do Estado Novo português. O objectivo do PAIGC era de ganhar adeptos e tornar-se forte de modo a fazer frente ao regime ditatorial existente nessa altura.
A existência da PIDE fazia com que as pessoas tivessem medo até de desabafar com o vizinho do lado, pois os elementos pertecentes à PIDE não eram apenas os portugueses, havia também guineenses que colaboravam com eles em troca de algum dinheiro e outras regalias. Essas pessoas passavam informações aos agentes da PIDE que durante a madrugada iam às casas de suspeitos e levavam as pessoas para serem interrogadas. A maior parte dessas pessoas que foram levadas nunca voltaram e nem os seus corpos foram encontrados.
O dia 3 de Agosto, na Guiné, é feriado nacional em memória das vítimas do massacre de Pingiquite. Nesse dia, em 1959 os marinheiros guineenses, fartos de trabalhar sem receber havia vários meses, reuniram-se no porto de Pingiquite e reclamaram pelos seus salários. Apareceram tropas portuguesas que começaram a disparar contra os marinheiros. Houve centenas de mortos e poucos foram aqueles que sobreviveram. De entre os que sobreviveram, alguns enlouqueram. Após esse massacre, o PAIGC ganhou ainda mais ódio pelos portugueses e foi ganhando mais força até que em 1963 iniciou a luta armada contra o regime ditatorial na Guiné. Finalmente em 24 de Setembro de 1974 a Guiné ganhou a luta armada e obteve a independência.»

Relato transcrito por Leocádia, após conversas com familiares que viviam na Guiné-Bissau antes da independência.





Guine Bissau Posted by Picasa



A Guiné-Bissau é banhada pelo Oceano Atlântico e faz fronteira com a Guiné Conacri e com o Senegal.


«A minha avó tem 63 anos e vivenciou o 25 de Abril com grande emoção pois foi uma época de sofrimento que tinha terminado. A minha avó vinha de uma família pobre, tinha nove irmãs e um irmão. Uma das irmãs já faleceu. A minha avó viveu numa época de opressão e conta-me que na altura ninguém estava autorizado a reunir-se nas ruas, nem de falat sobre problemas sociais, políticos ou até mesmo conversas banais. Não havia direito de voto, nem mesmo os direitos da mulher podiam ser reclamados. A minha avó era uma excelente aluna e estudou até à quarta classe, passando no exame final com nota máxima, mas como não tinha condições monetárias para continuar os estudos teve de desistir com grande desgosto e teve de ir trabalhar para Lisboa, para uma casa de saúde. Tinha apenas 13 anos mas tinha de ajudar ao apoio económico da família numerosa que tinha - "numerosa mas feliz" - conta a minha avó, pois contentavam-se com o que tinham e eram muito unidos e amigos.
A minha avó também conta com muita tristeza o terror que a PIDE causava nas pessoas. Ela lembra-se de um dia um polícia ter ido buscar o pai dela (meu bisavô) e de o ter levado preso, sob acusação de ter participado no movimento de trabalhadores no cais de Setúbal. Depois de ter passado uma noite preso e de ter sido torturado, regressou a casa pois a polícia apercebeu-se que o meu avô não tinha nada a ver com a questão. Passado pouco tempo, o pai da minha avó morreu com tuberculose, deixando 10 filhos a cargo da minha bisavó. A situação piorou bastante, mas mesmo assim, esta foi sempre uma família lutadora que apesar de ter sido bastante lesada com a ditadura conseguiu erguer-se.
Quanto à cidade de Setúbal, era uma cidade industrial. Era à beira rio que se concentrava a maioria das fábricas para o caso de se preparar alguma greve ou movimento. Setúbal foi considerada a cidade vermelha no 25 de Abril devido ao facto de a esquerda ter tido mais força nas primeiras eleições livres do país. Acho que isto se deve ao facto de Setúbal, por ser uma zona altamente industrial, ter sido uma das mais abaladas com a ditadura.»

Maria Helena Batista, após conversar com a avó.


«Falei com uma pessoa de 60 anos e esta cvontou-me que antes do 25 de Abril vivia-se muito mal, havia poucos rendimentso para os trabalhadores, os salários eram muito baixos e só mais tarde foi conquistado o direito à reforma. Nesta altura havia classes dominantes - os empresários, políticos e banqueiros.
Nas escolas havia muita disciplina , havia turmas de rapazes e raparigas não havendo misturas entre eles. As aulas eram ou só de manhã ou só à tarde e a desobediência ao professor era punida.
O regime possuia uma polícia política que perseguia quem dissesse mal ou atentasse contra o regime. Os presos políticos eram enviados para as prisões de Caxia, Peniche ou Tarrafal. (...)»


Vânia Caroço


« Na escola primária os alunos tinham de cantar o hino nacional, pois é o símbolo do nacionalismo (víncula a nacionalidade portuguesa). Na preparatória era obrigatório o uso de bata.
Os jovens gostavam de falar de política, de discutir os assuntos da actualidade, mas tinham sempre medo dos seus colegas, pois este poderiam ser os chamados "bufos" da PIDE.
A pessoa que entrevistei recorda que o pai de uma colega de faculdade era funcionário público. Um funcionário público ganhava muito pouco, mas ele demonstrava viver acima das suas possibilidades. Isto podia significar que ele era um informador a PIDE, como tal, as conversas ao pé da colega não podiam representar manifestações contra o governo.
A mulher vivia subjugada ao poder do homem e apenas as oriundas de famílias de famílias mais abastadas tinham acesso à educação. Não se podiam usar mini-saias, as saias eram até as joelhos. Só perto dos anos 70 é que as mulheres começaram a usar calças. Segundo a pessoa com quem falei a Revolução começou de madrugada. Os militares de Santarém tinham um código para avançar para Lisboa. O código era a canção "Grândola Vila Morena". Após as primeiras movimentações a comunicação social informou as pessoas para não sairem de casa, mas estas saiaram para ver o que estava a acontecer. O dia acabou com a população a oferecer cravos aos militares e eles colocaram os cravos nas armas.»

Verónica Almeida aprendendo com um familiar

«Das informações que recolhi apercebi-me de algo que nunca me tinha ocorrido, provavelmente pelo facto de viver numa sociedade que nada tem a ver com o "antes 25 de Abril". Penso que seria impensável eu aprovar uma ditadura, mas como disse fiquei surpreendida ao ver pessoas que aprovam inteiramente o modo como se vivia naquela época pois acreditavam que as pessoas se respeitavam mais e não havia "poucas vergonhas": prostitutas, bandidos, delinquentes, etc.
As pessoas temiam a autoridade e por isso respeitavam-na. Vivia-se num mundo conservador e isso implicava respeito. também ouvi dizer que no tempo do Salazar o país nunca atravessou uma crise financeira como nos nossos dias, mas a verdade é que quem afirma isto não proferiu uma única vez que as pessoas eram felizes! (...) As pessoas não tinham liberdade para aquilo que fosse!! Sem liberdade e a viver em função das regras de uma ditadura sem sequer defender os seus princípios, como poderemos ser felizes sem criarmos nenhuma revolta no nosso eu?
Ao falar com a minha avó percebi que ela não defende a ditadura na qual já viveu, mas tem noção de que é muito conservadora e os da sua época também, porque foram criados daquela maneira e dessa forma educaram os seus descendentes. Talvez o nosso país ainda hoje seja considerado conservador por isso. Ela diz que não era obrigatório ir à escola, até porque as crianças tinham de ajudar os pais desde cedo, talvez aquilo a que hoje chamamos "exploração infantil"... as crianças vestiam-se como adultos em ponto pequeno. A minha avó, com alguns sacrifícios dez a 4ª classe mas numa sala só com meninas. Por cima do quadro tinha um crucifixo porque a religião era importante e antes de iniciarem as aulas cantavam o hino nacional.
Para ser uma mulher de respeito tinha de ser trabalhadora, religiosa, pura e vestir-se "decentemente".. ou seja, não vestiam calças nem decotes... Não existiam discotecas nem sítios de lazer como hoje, "uma mulher não fumava, não tinha vícios". (...) »

Ana Afonso depois de falar com a avó